Dinossauros cabeça

DINOSSAUROS CABEÇA
O palco era alto, no Minas Tênis Clube de Brasília. Era o ano de 1984. Celular era novidade, eu achava bem avançado ter um “bip” e uma máquina de datilografar elétrica. Computador era coisa de centro de pesquisa. Estudava medicina na Universidade de Brasília e trabalhava à noite no Ministério da Educação: profissão digitador. Tinha uma moto Garelli 50 cc e ralava muito. Com todo esse currículo, me dava ao direito de ser ousado culturalmente. Em uma Brasília ainda desértica e empoeirada, vivendo os estertores da ditadura militar, procurava sempre alguma atração cultural em teatro, cinema ou música.
Foi em um programa do Chacrinha, ancestral do Faustão nos domingos, que vi pela primeira vez os artistas que haviam composto “Sonífera Ilha”, que curiosamente ouvia em um gravador de fita cassete, “por isso colo meu ouvido no radinho de pilha”. Assistia na época a músicos excepcionais, pois Brasília, com seus eventos culturais, sempre atraía artistas alemães, americanos e franceses, fora de circuito. Gostava de cinema russo e polonês, filmes do Woody Allen ou Herzog, que assistia na Casa de Cultura e no Cine Brasília.
A batida dos Titâs do Iê-Iê “colou” no meu ouvido mais que o radinho, e aguardava ansiosamente ver de perto aqueles caras que cantavam furiosamente e se mexiam como epiléticos. O palco estava vazio e surgia dele um som estranho, uma fonia, que antecedia o clima do show. O movimento forte entre os jovens era o “punk” e apesar de não usar moicanos, carecas ou roupas pretas, me identificava com aquela energia, meio sinistra, meio esquisita.
O show estava pra começar, e minha cabeça girava, viajando no que estava por vir. Eram de São Paulo, metrópole, eram punks descabelados e agressivos, eram poetas, eram cabeça pra caramba. Aí eles foram entrando, com uma luz fria por trás, mal se viam, o público gritando, assoviando. Nesta época não haviam efeitos, os efeitos mais fortes emanavam da força criativa que os artistas irradiavam. E os Titãs tinham isso em excesso. Havia uma tensão que precedia o estouro. Arnaldo Antunes, com as fontes raspadas qual um paciente psiquiátrico após uma sessão de choques elétricos, estava parado frente ao microfone, narcotizado, sequelado. Ao lado dele Branco, branco como o nome, esquálido, com óculos escuros, Sérgio Britto, Paulo Miklos, Nando Reis, Marcelo Fromer e Tony Belloto. Na bateria vestindo um louro platina, estava o devastador baterista André Jung. Nem sei se tinha mais alguém, eram oito ou nove, dos quais seis vocalistas! Eram os Titãs.
O baterista bateu as baquetas e a meia dúzia de lunáticos começou a gritar AA UU AA UU AA UU! As guitarras começaram a sincopar, o baixo fazendo o ginásio tremer, e os três vocalistas principais movimentavam-se velozes e furiosos no palco vociferando: “Estou ficando louco de tanto pensar”.e de repente a bateria entra com todo o peso. Ahhhh! Era rock, como nunca tinha ouvido antes. Alguns anos depois, assistiria a algo parecido em Londres ou no grupo de teatro catalão Fura dels Baus. É bom ouvir algo primal, primitivo, gutural. Gosto deste som, assim como gosto de ver um quarteto de cordas executando uma fuga de Bach.
Cultura é uma viagem mesmo. Muitos anos depois, em uma fria noite de maio, tinha um encontro marcado com os Titãs. Tanto tempo passou, foram pegos com drogas (ai, as drogas), o Arnaldo seguiu carreira solo, o Fromer engrossou a lista das mortes estúpidas no violento trânsito de SP. Tanta coisa, se fosse íntimo deles diria também quantas coisas me ocorreram, tantos encontros e despedidas. Respeitando a minha idade, havia dormido até a meia noite. Como moro na Rua Coronel Ernestino, estava bem próximo do palco. Lavei o rosto e fui caminhando, entrei pelo portal gratuito e caminhei entre centenas de pessoas até bem perto do palco.
Meus colegas de irreverencia e rebeldia estavam no palco, ainda fortes e impressionantes. Paulo Miklos, agora ator e agente de cinema, estava encarregado de abrir a festa. Todos mais mansos, mais calmos, menos bichos escrotos, mais conscios de seus filhos em casa, da vida por viver, como qualquer um de nós. Já não eram mais os Titãs dos anos oitenta e noventa. Não eram mais os Cabeça Dinossauro, vociferando contra a hipocrisia de um mundo careta e dominado. Competentes, poderosos ainda, executando com perfeição e impacto seus hinos iconoclásticos.
Capão Bonito proporcionou o show da maior banda de rock da última semana, os Dinossauros Cabeça.


Alberto P. Gonzalez, médico

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