Artigo de Mariana Montenegro, que descreve os primeiros anos da Oficina da Semente na Lapa, RJ

Vegetarianismo e algo mais

Rua Joaquim Silva 137. Nesse endereço, na rua mais movimentada da Lapa, em outros tempos de boemia, se localizava um bar. Desses escuros, sujos, com muita bebida e barulho. Por força de um milagre, ou pela vontade de um homem, este lugar é hoje um consultório médico. Mas não é um consultório médico comum. Logo na recepção temos uma cozinha. Onde três cozinheiros esperam a chegada dos clientes. E onde pacientemente servem alimentos vivos, devidamente pesquisados na sua função terapêutica.

Os preparadores da comida estão disfarçados de simples cozinheiros. Eles são na verdade agentes de saúde, treinados em como deve funcionar a terapia e a alimentação para os pacientes-clientes, ou para os clientes-pacientes, tanto faz, e vale a brincadeira, porque de fato estão imbuídos desse espírito.

Esses alimentos não estão apenas vivos. Possuem misteriosos componentes. Misteriosos porque não são visíveis, porque fazem com que aquele que os coma sinta coisas estranhas, que não se sente ao comer um alimento qualquer. Sente-se, por exemplo, pureza e gratidão, diante do alimento. De maneira que o corpo é reconhecido e amado pelo o que ele é, e pelo tratamento recebido.

O casarão tem um novo nome, se chama agora “Oficina da Semente”, uma unidade auto-sustentável que trabalha com a economia de energia, a alfabetização ecológica, com a prática do projeto ecológico, e um setor de extensão do conhecimento da Medicina onde se realiza uma terapêutica destinada ao homem e ao planeta. A “Oficina da Semente” fez um ano dia 09 de abril, dia do aniversário do Doutor Alberto Gonzalez, que deu uma aula sobre a Medicina Integrativa, e abriu as portas para um novo paradigma de saúde e de cura.

– Eu quero chegar a uma medicina integrativa, não aceitar a alopatia de forma cega e também não aceitar os métodos considerados alternativos de forma cega. Estamos aqui para trazer equilíbrio e harmonia para a prática médica. O agente da saúde deve ser o modelo de saúde.

Alberto fez uma opção consciente pelo trabalho com a alimentação vegetariana, vegana e viva, como forma terapêutica. Ele é professor da Universidade Estácio de Sá e autor do livro “Lugar de Médico é na Cozinha”. Com 45 anos, ainda se considera um menino, fala da idade sem nenhum problema, e afirma que espera atender pacientes até os 90. E isso porque sua profissão não é mais um peso, mas um motivo de grande alegria. A mãe de Alberto, quando ele ainda era jovem e começava a estudar medicina, dizia que sua futura profissão é um sacerdócio. Na época o aspirante a médico desconsiderava o que a mãe dizia, pensava em ingressar numa profissão como outra qualquer, e ganhar seu dinheiro como todo trabalhador. Hoje, mestre e doutor em Medicina, Alberto reconhece o que lembrou sua mãe, e cumpre um papel que vai além da medicina comum, é também um sacerdote.

– No segundo módulo do nosso curso de extensão falamos abertamente sobre espiritualidade. Como o trabalho espiritual, não oportunista, não charlatão, mas um trabalho correto e sério pode produzir efeitos gigantescos na cura. Meu conceito de espiritualidade é a pessoa reconhecer, voltar a conhecer suas ligações com as forças da Terra, da mãe natureza, e com nosso pai celestial que é nossa força universal.

O almoço é servido das 12:00 as 15:00, de segunda a sexta-feira. Na recepção, o clima é de amizade. Duas alunas chegam para o almoço. Estão no segundo ano do curso de Medicina. Uma delas, Laura Lima, conta: “As pessoas acham que – coitadinha, é vegetariana, deixou de comer – mas o que elas não sabem é que eu estou comendo muito melhor agora. Não tem nada me faltando, ao contrário, eu adicionei”.

Segundo ela, em um seminário que fez na faculdade sobre hipertensão (pressão alta), ao mencionar a prática da meditação como método terapêutico, causou um burburinho e uma recusa por parte dos seus colegas. Mas quando afirmou ser comprovado pela ciência como sendo um procedimento benéfico e curativo obteve imediatamente o respeito e a consideração da turma.

– As sociedades vegetarianas na Bélgica e na Inglaterra são compostos na sua maioria por médicos. Hoje em dia assume-se que o vegetarianismo é medicinal. O vegetarianismo por si só é capaz de curar de 60 a 70% das doenças. Se você adicionar o vegetarianismo com outras práticas de vida, com os fitoterapêuticos, a acupuntura e homeopatia, aí você chega a níveis de mais de 90% de cura de todos os tipos de doença. A simbiose do médico e do vegetariano já está acontecendo e só tende a crescer – disse Alberto.

Uma música suave permanece durante todo o almoço. O clima aliado à conversa trouxe à consciência de que tratamos o corpo como um inimigo. Nós o combatemos com todo tipo de drogas. A maneira que o ouvimos é tapando-lhe a voz, desconsiderando sua comunicação e sua realidade interpretável. Essa estória de guerra com o corpo foi legitimada pela Medicina com a vitória da “Teoria dos Germes”, de Louis Pasteur. É o que nos explicou o médico:

– A “teoria do germe” acredita que nós somos criaturas limpinhas, independentemente do que a gente come, do que a gente faz, perfeitinhos, e que de repente um germe assassino que nos ronda mergulha na nossa circulação e nos causa uma doença –

Esta corrente ganhou adeptos e formou um consenso na classe científica, que passou a atuar considerando essa a verdade última.

Do outro lado, e esquecidos na história, ficaram Antoine Bèchamp e Claude Bernard, com a “Teoria do Terreno Biológico”. Bernard é o pai da “Teoria da Homeostasia”, que é a função de equilíbrio do corpo. Segundo esta teoria, um corpo, quando bem estruturado, reage a qualquer germe, e não só isso, ele reage a qualquer doença. Se alteramos nosso “Terreno Biológico” estamos sujeitos a receber invasões. E não se trata exatamente de invasões, mas dos germes que vivem no nosso corpo se tornarem agressivos, causando doenças.

– Isso para falar de infecção, porque se a gente for falar de doença degenerativa, como diabetes, hipertensão, câncer, aí mesmo é que entra o conceito de curar através da alimentação. A nossa terapia é totalmente conveniente com a teoria do “Terreno Biológico”, disse Alberto.

Nessa altura, o almoço não era tão importante, já chegava ao fim, e estava diante de informações novas, até então desconhecidas. Nunca tinha ouvido falar na “Teoria do Germe” e na “Teoria do Terreno biológico”. Um tanto chocada com a estória quis entender a razão da vitória da “Teoria do Germe” e como a percepção de mundo da medicina se limitou. Porque vejo que a “Teoria do Germe” falhou em querer ser o modelo de Medicina. É notável que os antibióticos e antiinflamatórios já não estão dando conta da cura, e mais do que isso, que somos responsáveis por nossas atitudes. Elas repercutem. Como achar que a alimentação e uma série de hábitos e atitudes mais saudáveis e positivas não vão surtir efeito? Nesse momento, imagens de guerra me vinham à cabeça. Enquanto pensava, cética, diante de tamanha ignorância, Alberto interrompeu dizendo:

– Na verdade já existia um casamento inicial. A “Teoria do Terreno Biológico” não dava embasamento para os alquimistas que estavam dando início à indústria farmacêutica que nós conhecemos hoje, alopática. A “Teoria do Germe” era perfeita para eles. Se temos um inimigo com quem lutar criaremos milhões de remédios contra milhões de inimigos, e assim poderemos vender muito remédio. Os donos da indústria farmacêutica, da indústria bélica e alimentícia são os mesmos. Em seu leito de morte, Pasteur disse que “o germe não é nada, o terreno é que é tudo”.

Foi quando chegou a sobremesa. Era uma mousse de manga com linhaça. Era bem doce. Mas um doce na medida certa. E de novo aquela sensação de pureza. E quando olhei para os cozinheiros nos servindo, ela vinha acompanhada de um sentimento que não sabia também explicar, tal a delicadeza do serviço. Mas por que essas pessoas cozinhariam com tanto cuidado para quem elas não conhecem? Não bastaria somente cozinhar? Os ingredientes não são apenas os materiais?

No andar de cima, ainda em construção, está o consultório de Alberto. Ficamos pela cozinha. Esta que é o coração de toda a casa. Me sentí em casa. Sentí muitas coisas nesse encontro. E tive muitas surpresas. Pensava que comeria uma comida comum, mas comí energia pura. Julgava fazer uma simples entrevista com um médico, mas conversei amigavelmente com um sacerdote. Naquela rua, que fez fama em noites sujas, um ambiente de cura e pureza abriu as portas.

Mariana Montenegro, 9 de abril de 2005

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