Sonhos de Mariah

ESTA ESTÓRIA VAI PARA MARIAH, QUE FAZ NOVE ANOS NO DIA DE SÃO FRANCISCO.
SONHOS DE MARIAH –  O JARDIM OCEÂNICO

 

É um dos lugares mais valorizados do Rio. Discreto, com edifícios luxuosos de três, no máximo quatro andares, se vê do avião como um sol nascente, na entrada da Barra e circundada pelo mar e pela foz do canal do Joá. Talvez por este sinal – o do sol nascente – o investidor milionário japonês Tomio Nagasaki tenha comprado, há quarenta anos atrás, uns dez lotes. Nove ele construiu, gerando muito mais renda ainda para sua farta economia.

 

Um apenas – o mais bonito, com uma leve ondulação, um poço, um pé de jamelão e alguns de amora – ele guardou para o dia que tivesse um descendente.  Pensando nisso, plantou alguns pés de cerejeira, a árvore símbolo de prosperidade e beleza dos orientais do norte.  Casou-se logo depois da entrega dos últimos imóveis.

Sua mulher deu-lhe uma filha, que batizou Suyara, em homenagem à história de Yara, a deusa dos rios, de quem ouvira falar no Brasil.  Mas os dezoito anos seguintes foram difíceis, pois Suyara sofria as conseqüências de uma rara doença.  Os nervos perdiam a capa de proteção, ela sentia muitas dores e tinha atrofia muscular. Na verdade era seu próprio corpo que atacava os nervos. Sua vida era do médico para a fisioterapia, da fisioterapia para casa e da casa para escola. Tomio Nagasaki gastava muito dinheiro e orava muito para que sua filha se curasse. Daria todo seu dinheiro se pudesse ver a filha andando e brincando como as outras.

O lindo terreno do outro lado do mundo ficou abandonado e esquecido.

Nando, Arnaldo, Paulo, Branco e Tony eram típicos garotos da classe média alta carioca. Pegavam onda, andavam de skate e freqüentavam as melhores escolas da Barra da Tijuca. Quando circulavam pelo nobre bairro em suas tábuas rolantes, acostumaram-se a sentar naquele lugar agradável, quase intacto por natureza, com um belo pé de jamelão e duas lindas cerejeiras, que às vezes ornavam-se de incontáveis flores cor de rosa.  Mas o terreno também era ocupado por alcoólatras e alguns viciados, que deixavam seringas e garrafas, além de muita sujeira. Além disso assomava-se o lixo que algumas pessoas inconscientes jogavam, sem pensar.

De tanto ouvir falar em natureza nas diferentes escolas, resolveram fazer um novo e inédito empreendimento. Com a colaboração de alguns moradores e amigos dos pais, puxaram a energia por uma longa extensão da casa de Paulo, que era vizinho do terreno e instalaram uma bomba para puxar água do poço. Cercaram o terreno abandonado, fizeram canteiros, usando pedras de resto de construção e fazendo desenhos originais, plantando couve, brócolis, almeirão, catalonha, alfavaca, chicória e alface. Plantaram também pepinos, inhame, abóboras e chuchu. Trabalharam muito!

Começaram então a fazer suco verde, no próprio terreno, debaixo do pé de jamelão.  Colocavam em garrafinhas e entregavam em diferentes endereços. O negócio ia de vento em popa, aumentando cada vez mais o número de clientes, que iam melhorando de saúde e contando aos outros. Eles já coletavam lixo orgânico e transportavam em uma carreta puxada por bicicleta. Na horta, tinham uma composteira, que transformava todo o lixo orgânico em adubo, que por sua vez deixava as plantas cada vez mais bonitas, sem uso de qualquer produto químico.

Já estavam virando notícia no jornal. Os garotos sabiam tudo de agricultura orgânica, davam conselhos de saúde, estavam recuperando outros meninos que tinham vícios ou compulsões. Na verdade, haviam se transformado em mini-empresários sustentáveis de saúde.

Em um mês de setembro, Tomio fez uma viagem ao Rio e viu tudo aquilo acontecendo no terreno antes abandonado. Ficou furioso, e mandou fechar todo o quarteirão na hora, com cerca de latão típica de obras caras e com um portão de ferrolho. Os meninos ficaram desolados. Tudo o que estava lá dentro ficou perdido, desde a mesinha debaixo do pé de jamelão, os lavatórios feitos com vidro blindex de sucata, o depósito de madeira com utensílios de plantio, mangueiras, liquidificador, garrafinhas e a bomba do poço. Raras vezes aqueles meninos tão pra frente tinham chorado, mas naquele dia eles soluçavam, abraçados frente ao sinistro muro, que mais lembrava o de um campo de concentração.

Tomio Nagasaki voltou ao Japão, e logo contou a Suyara o acontecido, com todos os detalhes e a eficiência com que fechou rapidamente o terreno. Ela ouviu em silêncio. Desde aquele dia a moça passou a ter sonhos com o Brasil, com flores, dias quentes e mar bravio. Alguns eram muito fortes e intensos, mas em nenhum deles ficava com medo. Sentia uma energia maior a cada dia. No ano seguinte, em pleno mês de janeiro disse ao pai, com um sorriso submisso e confidente: “estamos em janeiro e eu quero conhecer o Rio de Janeiro”. O pai surpreendeu-se e sorriu, declinando a cabeça. Como andava em cadeira de rodas, o pai montou uma operação para levar a filha.

Dia e noite se passaram, atravessando o mundo dentro de um avião.

O imenso cadeado se abriu e o atlântico jardim surgiu na frente de Tomio e Suyata. Os olhos da moça encheram-se de cores e emoção. Todas as plantas: a alfavaca, o chuchu, brócolis, chicória – todas – haviam tornado-se frondosas moitas e estavam em flor! Flores roxas, brancas, rosas e vermelhas invadiram sua retina, naquele dia inesquecível de calor e cheiro de mar. O pés de jamelão a amoras estavam carregados. Mas, curiosamente, as duas cerejeiras haviam secado.

Foi quando apareceu Paulo, que tinha visto a cena pela janela. Ele colheu uma amora de jamelão e deu à pálida menina, que sentiu a fruta dissolver-se na boca e na alma.

Com auxilio do Sr. Nagasaki, Paulo foi ao galpãozinho, ligou a bomba do poço, que jorrou água nas torneiras e fez o suco verde para a moça, usando pedaços e as folhas de uma imensa abóbora, chuchu, inhame e as flores do jardim. Depois de coado frente aos surpresos visitantes, ela bebeu a seiva daquele terreno, fechou os olhos e ficou vários minutos em profunda meditação. Disse ao pai que ficaria ali. Como ele tinha vários imóveis, não foi difícil instalar a filha.

Os meninos se reuniram e mostraram a Suyara como funcionava a “rede da vida”. Eles só haviam chorado no primeiro dia, pois no segundo e terceiro já estavam trabalhando e ocupando outros terrenos baldios, desta vez com autorização, por contrato, de seus proprietários. Aqueles meninos haviam percebido uma descoberta!

Muitos terrenos agora tem hortas, muitas pessoas se beneficiam da sagrada bebida fresca. Os rapazes montaram uma pequena empresa de saúde preventiva. A notícia chegou ao Japão e começou a acontecer entre os jovens de lá.

E Suyara? Ela agora cuida do jardim que não mais lhe pertence, mas a todos os jovens do planeta. As cerejeiras, cuidadas por suas habilidosas mãos, explodem em cor todos os meses de setembro.

Dedicado a Akira.

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